amores expresos, blog do ANTÔNIO

Tuesday, July 17, 2007

O SALTO

(crônica para a revista Capricho)

A gente não tem como saber se vai dar certo. Talvez, lá adiante, haja uma mesa num restaurante, onde você mexerá o suco com o canudo, enquanto eu quebro uns palitos sobre o prato -- pequenas atividades às quais nos dedicaremos com inútil afinco, adiando o momento de dizer o que deve ser dito. Talvez, lá adiante: mas entre o silêncio que pode estar nos esperando então e o presente -- você acabou de sair da minha casa, seu cheiro ainda surge vez ou outra pelo quarto –, quem sabe não seremos felizes? Entre a concretude do beijo de cinco minutos atrás e a premonição do canudo girando no copo pode caber uma vida inteira. Ou duas.
Passos improvisados de tango e risadas, no corredor do meu apartamento. Uma festa cheia de amigos queridos, celebrando alguma coisa que não saberemos direito o que é, mas que deve ser celebrada. Abraços, borrachudos, a primeira visão de seu necessaire (para que tanto creme, meu Deus?!), respirações ofegantes, camarões, cafunés, banhos de mar – você me agarrando com as pernas e tapando o nariz, enquanto subimos e descemos com as ondas -- mãos dadas no cinema, uma poltrona verde e gorda comprada num antiquário, um tatu bola na grama de um sítio, algumas cidades domesticadas sob nossos pés, postais pregados com tachinhas no mural da cozinha e garrafas vazias num canto da área de serviço. Então, numa manhã, enquanto leio o jornal, te verei escovando os dentes e andando pela casa, dessa maneira aplicada e displicente que você tem de escovar os dentes e andar ao mesmo tempo e saberei, com a grandiosa certeza que surge das pequenas descobertas, que sou feliz.
Talvez, céus nublados e pancadas esparsas nos esperem mais adiante. Silêncios onde deveria haver palavras, palavras onde poderia haver carinho, batidas de frente, gritos até. Depois faremos as pazes. Ou não?
Tudo que sabemos agora é que eu te quero, você me quer e temos todo o tempo e o espaço diante de nossos narizes para fazer disso o melhor que pudermos. Se tivermos cuidado e sorte – sobretudo, talvez, sorte -- quem sabe, dê certo? Não é fácil. Tampouco impossível. E se existe essa centelha quase palpável, essa esperança intensa que chamamos de amor, então não há nada mais sensato a fazer do que soltarmos as mãos dos trapézios, perdermos a frágil segurança de nossas solidões e nos enlaçarmos em pleno ar. Talvez nos esborrachemos. Talvez saiamos voando. Não temos como saber se vai dar certo -- o verdadeiro encontro só se dá ao tirarmos os pés do chão --, mas a vida não tem nenhum sentido se não for para dar o salto.

Friday, July 6, 2007

A gente se viramos como podemos...

Vendo:
Marciano Erótico e Zé Celso. Pouco uso. Único dono. Bom estado. Tratar por este Blog. Preço a negociar.

Wednesday, July 4, 2007

SOBRE ESSA POUCA VERGONHA DO MEU BLOG

Gente linda do meu Brasil, perdoem o abandono, as teias de aranha, o pó acumulado sobre os posts antigos e as fotos amareladas que já se despregam da tela do computador e caem sobre vossos brilhantes teclados. Acontece que eu estou escrevendo o ROMANCE e isso me (preparem-se porque eu vou escrever uma palavra ridícula e chavão de escritor fazendo pose e um e dois e lá se vão os) absorve completamente. Vim até para um sítio, para me afastar de todas as coisas boas e ruins (as boas, principalmente) que se interpõem entre mim e ele, o livro, meu senhor.
Pois é assim que me sinto. Sou escravo desse troço. Como disse Vargas Llosa num livro que estou lendo (cartas a um jovem romancista, ou seja, a mim) é como ter uma tênia, a rainha das lombrigas, dentro do intestino. Tudo o que eu como, faço, penso, vejo e sinto vai parar na bicha. E a bicha é o ROMANCE. Com todo respeito às bichas, às tênias e aos ROMANCES.
Pois então é isso. É uma coisa ou outra. Na verdade é só uma coisa e nada mais. Não fui pra FLIP, abandonei amigos, mulher, crianças, netos, plantas, meu canário belga e a bebida só para servir a esse senhor totalitário, o ROMANCE.
De vez em quando, se ele deixar, prometo vir aqui e contar alguma coisa. E como desculpa por minha longa ausência, segue abaixo a coluna que sairá sexta no guia do estadão.
Até mais, senhoras e senhores, se Deus (o ROMANCE) quiser.

Toli Tolá

Eu gostava de vê-lo abordar uma mesa. Num primeiro momento, as pessoas o recebiam com aquela armadura de cinismo que todo paulista veste ao sair de casa, para impedir que os exércitos de flanelinhas e pedintes arranquem duas ou três moedas do fundo de nossa culpa. Ele não parecia se importar. Com uma alegria infantil, o Carlitos barbudo ia tirando os bonequinhos da bolsa e anunciando-os um a um: Marciano Erótico! Zé Celso! O Pássaro do Milênio! Toli toli Tolá! Inconsciente coletivo! Delirum Tremens!
Em poucos segundos os escudos e capacetes iam sendo postos de lado, junto às bolsas e casacos. O pessoal começava a sorrir. Percebia que Armando era um artesão de títeres, cuja existência não tinha nada a ver com a desgraça brasileira -- de onde brotam crianças vendendo balas às três da manhã e adultos oferecendo incensos e “cigarrinhos naturais” por trás de suas olheiras. Tratava-se, sim, de um Calder com seu circo particular, mais filho da graça do que da necessidade.
Tenho um Zé Celso e um Marciano Erótico, que vivem há alguns anos em harmonioso enlace, na estante de livros do escritório. Meu inconsciente coletivo perdeu-se em alguma mudança, ou talvez esteja escondido no fundo de uma gaveta – morada perfeita, aliás, para um boneco com tal nome.
Apesar de nos cruzarmos pelo menos uma vez por mês, há mais de dez anos, Armando não tinha a mais vaga idéia de quem eu fosse e tampouco via muita graça em minhas sugestões: por que não fazer um Gerald Thomas para acompanhar o Zé Celso? (Podia vir com calça retrátil, dando as opções bunda pra dentro, bunda pra fora). Um Malufinho para a gente fazer vodu? Um Renan com seu boizinho dos ovos de ouro? Ele apenas sorria, dizia que ia sugerir à mulher e saía com sua bicicleta, monsieur Hulot da Vila Maria, em direção a outros bares, repetindo suas apresentações, que acabavam invariavelmente com o bordão: compra um?!
Eu o conhecia como “o Toli Tolá”, devido a música que cantava ao apresentar da cobrinha. Só soube seu nome verdadeiro ao receber de uma amiga, por SMS, a notícia de sua morte – prematura, eu diria, se não o fossem todas.
Sugiro que o dono de algum bar dê a ele a maior glória que um ser humano pode almejar: atingir a imortalidade virando sanduíche. Seu Armando ou Toli Tolá, se aqui estivesse, gostaria da homenagem e diria, abrindo os braços e sorrindo: come um?!