amores expresos, blog do ANTÔNIO

Wednesday, September 26, 2007

Apocalipse 2.0

Como bem sabem os tementes a Deus, mais dia, menos dia, Jesus voltará. Abrirá os sete selos, sete anjos surgirão no céu, tocarão sete trombetas e aí, meu amigo, a coisa vai ficar realmente cabulosa para quem não fez a lição de casa.
A linguagem bíblica, no entanto, é muito cifrada: anjo não é bem anjo, selo não é selo e trombeta não é trombeta. Eu, como bom paranóico, estou sempre atento aos sinais. Foi assim que me dei conta, hoje cedo, de que o apocalipse já havia chegado. Pelo menos no meu escritório.
Às sete trombetas dão-se os nomes de E-mail, MSN, celular, telefone, Orkut, Google Talk e SMS. Cada um tem um barulinho diferente, todos o mesmo intuito: interromper o fluxo do meu pensamento, inviabilizar o trabalho, sabotar o amor, picar a outrora lenta e introspectiva narrativa das minhas tardes como cebola para um refogado.
Não consigo fazer mais nada. Passo os dias aflito, respondendo um “olá” de Natal, um “tá aí?” de Pinheiros, um “quanto tempo” do pré-primário e outros amistosos cutucões proporcionados por Bill Gates, Graham Bell e pela insaciável sociabilidade de nossa gente . É o fim dos tempos.
Outra noite tive um pesadelo que ilustrava bem o meu atoleiro eletrônico-social. Eu tentava escrever um texto, enquanto empurrava com um rodo um espesso mingau que entrava por debaixo da porta, pelas frestas das janelas, pelos furos das tomadas. Debalde: a gosma invasiva voltava, sempre, como a pedra de Sísifo.
Sísifo, no entanto, foi condenado pelos deuses a empurrar eternamente aquela rocha morro acima. Já o bocó aqui aderiu de livre e espontânea vontade a todas as formas de bips, plins, trrrrlins e tum tuns disponíveis no mercado. Por que? Não sei.
Agora mesmo, entre o fim do último parágrafo e o começo deste, fiz pela décima vez no dia o triste triatlon da carência virtual: e-mail-orkut-anti-spam. Que scrap é esse que espero encontrar no Orkut? Que pessoa misteriosa aguardo no MSN? Que mensagem redentora buscamos, eu e a boa parcela da humanidade, conectados às trombetas eletrônicas?
Só pode ser Jesus, minha gente. Qualquer dia desses, receberemos um scrap do Cordeiro, ou quem sabe uma mensagem via SMS, MSN, Google Talk, telemarketing e e-mail, anunciando a Sua volta. O juízo final chegará com winks e emoticons. E ai de quem não tiver feito lição de casa, estiver off-line, sem sinal ou deixar de conferir o anti-spam...

Monday, September 17, 2007

Mulher pelada

(crônica para a Capricho)
Toda sexta-feira ele chegava, num FIAT bege, para buscar a mim e a minha irmã. Pequenininhos, nos encaixávamos nos programas do pai separado e boêmio. Adorávamos: nos bares em que nos levava, éramos paparicados por mulheres bonitas e cheirosas, que riam alto e usavam roupas engraçadas. (Só muito mais tarde fui descobrir que a esse tipo de mulheres dá-se o nome de “atrizes”). Pedíamos coca, fanta e sprite e misturávamos tudo. Meu pai nos deixava comer pastéis, batatas-fritas, frango à passarinho e todo tipo de besteira, mandando por água abaixo, em minutos, toda a educação nutricional que minha mãe havia imposto durante a semana, com muito esforço, brócolis, sorrisos e papaias.
Nos períodos em que meu pai tinha alguma peça em cartaz, íamos ao teatro todo fim de semana. Lá pelos meus cinco anos, estreou a peça Besame Mucho. Era encenada no teatro Cultura Artística. Fica ali perto da Augusta, em meio a várias casas de strip e outros estabelecimentos cheios de neons e mistério, que eu olhava fascinado. Chegava a sentir uma certa pena do meu pai: o teatro dele me parecia o ponto mais desanimado de toda a rua, ofuscado por fachadas de castelos medievais, onde portas espelhadas davam para corredores esfumaçados e coloridos.
Perguntei o que eram aqueles lugares e meu pai disse que eram bares. Mas por que eram tão diferentes dos outros, em que comíamos frango a passarinho com Guara-cola? Meu pai explicou-me que naqueles bares havia mulheres peladas. Como?! Por que?! Do alto de minha meia década de existência, “mulher pelada” evocava a imagem de minha mãe ou irmã entrando ou saindo do banho, de toca na cabeça e toalha na mão. Não conseguia imaginar muito bem que razão levaria mulheres nuas a comer pastéis. Meu pai seguiu a explicação, deixando-me ainda mais confuso: homens que não tinham namorada pagavam para ver aquelas mulheres peladas. Imaginei uns caras tristes, barba por fazer, a preencher palavras-cruzadas e bebericar um chope, enquanto mães e irmãs nuas iam e vinham de chuveiros inexistentes. A coisa não fazia o menor sentido. Pedi para irmos a um daqueles bares. Meu pai explicou que era proibido para crianças. Pela primeira vez, alguma coisa pareceu-me lógica. Devia ser para evitar que víssemos aqueles homens tristes e sozinhos, perdidos entre neons e tocas de banho.
Só vinte anos depois atravessei um daqueles corredores. As mulheres eram bem diferentes do que havia imaginado no meio de minha infância, mas os homens estavam lá, exatamente como eu os havia pintado.